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Publicado em 08 de dezembro de 2022 Atualizado em 09 de dezembro de 2022

O inglês como guardião dos interesses da classe dominante

Quais interesses a língua inglesa promove, e como o ensino os contrabalanceiam

Um guarda real do Palácio de Buckingham em frente a seu posto, de perfil, com uma perna levantada e um fuzil apoiado no ombro. Autor: Jean Carlo Emer

Hoje um terço da população mundial fala inglês, de diversas formas e com diversos propósitos. Falantes não-nativos superam em quatro o número de falantes nativos. O inglês é a língua internacional de nossos tempos, mas o que não é evidente é que ele seja igualmente o patrimônio de todos os seus falantes.
Seja a rainha Elizabeth, Will Smith ou outra personalidade famosa, a figura do falante “nativo ideal” vive no ideário coletivo. Vídeos com títulos como  “stop saying…” ou “sound like a native” proliferam aos milhares no YouTube. Eles levam a crer que falar bem inglês equivale a esquivar-se de erros. Erros que certamente não cometeríamos se tivéssemos visto tais vídeos…

Discriminação linguística


Pessoas cujo inglês difere da norma padrão podem ser vistas como menos brilhantes, capazes, ou mesmo…humanas? É o resultado do viés linguístico, que de forma consciente ou não, influencia a maneira como alguém é visto e tratado com base em sua linguagem. O sociolinguista Calvin Gidney observou que considerável parte dos vilões das animações infantis têm um sotaque diferente (geralmente associados a um baixo nível socioeconômico) dos outros personagens.

Um recente estudo mostra que a dificuldade em entender um sotaque diferente pode resultar na discriminação de falantes de outras línguas, mas que este viés pode ser neutralizado através da exposição a uma variedade de pronúncias.

Um instrumento de controle


O ensino de inglês como língua estrangeira foi baseado na figura do “nativo ideal” como modelo a ser alcançado pelos aprendizes — modelo que não considera a cultura de origem do aluno, mas que promove a cultura anglo-norteamericana.

O linguista Robert Phillipson identificou cinco noções que nortearam a expansão do ensino de inglês como língua estrangeira após a década de 1960 — noções sem embasamento teórico e que são falsas à luz dos conhecimentos atuais:

  1. o inglês é melhor ensinado por meio do inglês (a falácia monolíngue)
  2. o falante nativo é o professor ideal (a falácia do falante nativo)
  3. quanto mais cedo o inglês é ensinado, melhores são os resultados (a falácia do início precoce)
  4. quanto mais o inglês é ensinado, melhores os resultados (a falácia da exposição máxima)
  5. se outras línguas forem muito utilizadas, os padrões do inglês decairiam (a falácia subtrativa)
Ele chamou de ‘imperialismo linguístico’ a expansão de uma língua e sua cultura como método de controle; praticado desde a antiguidade por povos dominantes, e atuante no presente através do mercado do ensino de idiomas, da mídia e da globalização.

Alternativas ao ensino tradicional


Muito mudou em um século, e hoje a maioria das trocas são feitas em inglês entre falantes não-nativos. Eles fazem uso do inglês como língua comum, o que a linguista Jennifer Jenkins chamou de ‘inglês como língua franca’ ou ELF. Jenkins definiu elementos de pronúncia do inglês que favorecem o entendimento, e outros que não prejudicam a comunicação.

Ao invés de procurar emular um inglês britânico ou americano, os falantes de ELF buscam sobretudo compreender-se mutualmente. Para isto, eles utilizam algumas estratégias, como entre outras:

  • perguntas de clarificação (“o quê?”)
  • sinais de incompreensão (“hmm?”)
  • repetição (“esta é a segunda tentativa” - “segunda tentativa?”)
  • paráfrase (“segunda chance”)
  • organização do discurso (“o que quero dizer agora é que…”)
  • perguntas de confirmação (“certo?”)
Uma outra transformação na pedagogia de inglês é a pedagogia crítica. Nela, são deixados de lado conteúdos culturais do Reino Unido e Estados Unidos. Em seu lugar, os aprendizes propõem temas relacionados à suas vidas para discussão. Relações de poder são analisadas e transformadas, a começar pela sala de aula: os alunos decidem de que forma trabalharão e como serão avaliados.

A língua inglesa como guardiã de interesses da classe dominante mantém seu posto mas não sem ser questionada sobre seu poder. E em sua vida, em qual medida ela permite certas coisas enquanto limita o acesso à outras?


Para saber mais:

"What are "World Englishes"" - Craig Volkerhttps://www.thenational.com.pg/what-are-world-englishes/
"Here's how your foreign accent can unfairly destroy your credibility"- Monika Schmidhttps://theconversation.com/heres-how-your-foreign-accent-can-unfairly-destroy-your-credibility-125981

"Why do cartoon villains speak in foreign accents?" - Isabel Fattal
https://www.theatlantic.com/education/archive/2018/01/why-do-cartoon-villains-speak-in-foreign-accents/549527/

"Here's why people can discriminate against foreign accents - new research" - Shiri Lev-Ari
https://theconversation.com/heres-why-people-might-discriminate-against-foreign-accents-new-research-172539

"Linguistic Imperialism" - Robert Phillipson
https://www.researchgate.net/publication/31837620_Linguistic_Imperialism_R_Phillipson

"What is ELF? Introductory questions and answers for ELT professionals" - Tomokazu Ishikawa e Jennifer Jenkins
https://tamagawa.repo.nii.ac.jp/?action=pages_view_main&active_action=repository_view_main_item_detail&item_id=1169&item_no=1&page_id=13&block_id=21

"What is the Lingua Franca Core?" - Laura Patsko
https://elfpron.wordpress.com/2013/11/21/what-is-the-lfc/

Critical counciousness and critical language teaching" - Takayuki Okazaki
https://www.hawaii.edu/sls/wp-content/uploads/2014/09/10-Okazaki-Taka.pdf


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